O assunto é delicado, porque está envolto a tabus. Entretanto, decidimos abordá-lo, porque alguns miastênicos buscam informações confiáveis quanto à possibilidade de benefícios com o uso da Cannabis – ou de seus derivados, como o conhecido Canabidiol (CBD) – no tratamento da Miastenia Gravis.
A Cannabis sativa nada mais é do que a planta da maconha, a qual é indicada como uso medicinal para tratar sintomas de algumas doenças, como crises epilépticas em epilepsias refratárias e distúrbios da marcha na esclerose múltipla, e amenizar efeitos como os resultantes de quimioterapia.
Vários países já permitem até mesmo o plantio da Cannabis sativa para uso medicinal, mas não o Brasil, onde há um embate. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) tem tentado aprovar uma proposta que libera o plantio para pesquisa e produção de medicamentos.
Entretanto, de um lado (a favor) estão familiares de pacientes de algumas doenças que se beneficiam – ou se beneficiariam – da Cannabis, e de outro lado (contra) está o governo, que receia que seja um passo para liberar o consumo de drogas, como a maconha.
Hoje, no Brasil, mais de 6,5 mil pessoas têm autorização da Anvisa para importar o CBD para uso medicinal em si mesmo, o que é permitido desde 2015, chegando a pagar R$1.500 por um frasco de 30ml. Além disso, há cerca de 70 autorizações judiciais concedidas para o cultivo e fabricação do óleo por famílias brasileiras em suas próprias casas, e o custo do frasco cai para apenas R$50.
Independentemente dessa disputa em torno da proposta, que já foi a consulta pública, quanto à liberação do plantio – cuja decisão da Anvisa estava prevista para meados de outubro de 2019, mas foi adiada –, em nenhum lugar a Cannabis é oficialmente liberada para o tratamento da Miastenia Gravis, mas apenas para outras patologias.
“Há alguns relatos de pacientes no site da associação de miastênicos dos Estados Unidos que usaram derivados de Cannabis para tratar náuseas relacionadas à ciclofosfamida, medicamento quimioterápico que por vezes utilizamos em casos graves de Miastenia Gravis”, afirma o Dr. Eduardo Estephan, neurologista do Ambulatório de Miastenia do Hospital das Clínicas (SP), do Ambulatório de Doenças Neuromusculares do Hospital Santa Marcelina (SP) e do Centro de Cérebro e Coluna (São José do Rio Preto).
Ele conta que há um estudo recente em ratos em que um composto sintético semelhante a um endocanabinóide (canabinóides que são produzidos pelo nosso organismo) mostrou melhora transitória da força. “Esse composto, por enquanto, está sem nome e é identificado como WIN 55,212”, diz Estephan, que também é diretor científico da Abrami (Associação Brasileira de Miastenia).
Medicamentos aprovados nos EUA
Nos Estados Unidos, existem atualmente somente três medicamentos à base de canabinóides, substâncias químicas encontradas na Cannabis, que foram aprovados pela Food and Drug Administration (FDA). São eles:
1) Epidiolex: contém uma forma purificada da substância medicamentosa Canabidiol para o tratamento de convulsões associadas à síndrome de Lennox-Gastaut ou à síndrome de Dravet em pacientes com 2 anos de idade ou mais.
2) Marinol e Syndros: indicados para anorexia associada à perda de peso em pacientes com AIDS, que são feitos com o ingrediente ativo Dronabinol, um delta-9-tetra-hidrocanabinol sintético (THC).
3) Cesamet: contendo o ingrediente ativo Nabilona, que possui uma estrutura química semelhante ao THC e é derivado sinteticamente; é indicado para náuseas relacionadas à quimioterapia.
Sem recomendação para Miastenia Gravis
“Não há, portanto, nenhuma indicação médica, com comprovação científica, de nenhum composto derivado da Cannabis para Miastenia”, reforça o Dr. Estephan, que continua: “Não há também nenhuma recomendação do uso destas substâncias para essa doença em nenhum lugar dos Estados Unidos e nem do Brasil”.
O especialista em Miastenia Gravis, por outro lado, diz que não é segredo que há muitos pacientes buscando tratamentos sem indicações médicas e sem efeito comprovado. “Isso ocorre com várias doenças e diversos compostos, inclusive com canabinóides.”
Sofrer com os sintomas de Miastenia Gravis chega a ser desesperador, mas recorrer a medicamentos ou tratamentos sem estudos confiáveis e benefícios comprovados pode significar a piora do quadro do paciente.
A Neurologia tem avançado nas questões dessa doença, que antes levava a muitos óbitos, o que foi reduzido drasticamente (leia mais sobre as novidades aqui).
Com os tratamentos comprovados cientificamente que já temos hoje, um miastênico pode ter uma vida normal ou muito perto disso. Precisamos, sempre, ouvir o especialista, que irá recomendar medicamentos e procedimentos adequados para que seu paciente tenha uma melhor qualidade de vida.